Existe um lugar em Fernando de Noronha onde ninguém faz selfie. Escondida entre a Cacimba do Padre – uma das praias mais famosas do lugar – e o aeroporto, a usina de resíduos sólidos de Noronha é a responsável por tratar o lixo produzido por moradores e turistas.
Ali, longe do visual paradisíaco, é difícil lembrar que se trata de Noronha.
O G1 viajou até lá para a estreia da série “Desafio Natureza”, que vai mostrar as questões ambientais que desafiam esses destinos e como cada um pode fazer a sua parte para amenizar o problema.
Veja os temas desta 1ª etapa do “Desafio”:
- Fernando de Noronha, lado B: série do G1 mostra desafios do lixo no ‘paraíso’
- A ameaça do plástico que vem do oceano (quinta, 24/1)
- Veto ao plástico descartável (sexta, 25/1)
- Como planejar sua viagem (sábado, 26/1)
- O futuro de Noronha (domingo, 27/1)
- Um passeio pela ilha (domingo, 27/1)
- Como você pode participar do desafio do lixo (a partir de 28/1)
O desafio de cuidar do lixo em um lugar como Noronha, uma área de preservação ambiental, é enorme. E ainda maior quando o número de visitantes já passa dos 100 mil por ano – recorde atingido em 2018.
São cerca de 220 toneladas de lixo por mês, número que cresce em períodos de alta temporada como dezembro. Entre o natal e o ano novo, foram recolhidas 65 toneladas de lixo.
A ilha não tem espaço nem estrutura suficiente para lidar com esta quantidade de lixo.
Mapa mostra Fernando de Noronha — Foto: Roberta Jaworski/G1
Música embala triagem
A coleta seletiva, já anunciada pelas ruas e estabelecimentos locais, está atrasada e só deve ser implantada em março, segundo a Universo Empreendimentos, responsável pelo tratamento dos resíduos.
Por isso, o lixo chega todo misturado à usina e uma equipe faz toda a separação entre material reciclável, orgânico e não-reciclável.
Para suavizar o trabalho, além de máscaras, luvas e outros equipamentos de segurança, os funcionários ouvem música. No galpão, o som alto toca de hits cristãos a arrochas atuais.
Depois de separados, os materiais são guardados em sacos gigantes na própria usina. As latas de alumínio são prensadas em blocos, o plástico é separado por tipo.
Usina de resíduos sólidos em Fernando de Noronha — Foto: Fábio Tito/ G1
A viagem do lixo
Boa parte do lixo é mandado para o continente de barco, onde tem seu destino final em Recife. Os recicláveis vão para as indústrias responsáveis e o restante para um aterro sanitário.
“Aqui a gente não tem condições de implantar um aterro. Pela situação de fragilidade da ilha, pela limitação de espaço, o lixo tem que sair daqui, não pode ficar”, explica Silmara Erthal, gestora responsável substituta do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e que é responsável pela área de proteção ambiental de Noronha.
A viagem do lixo até o continente acontece em média quatro vezes por mês e leva cerca de 40 horas.
A viagem mais recente terminou na última segunda-feira (14). O G1tentou fotografar a barca atracada no Porto de Recife, mas a Universo, que também é responsável por essa parte da operação, não autorizou o registro.
Os gastos com o lixo
Todo este processo tem um custo. Segundo Guilherme Rocha, atual administrador de Noronha, nos últimos três meses, o custo médio para limpeza urbana e gerenciamento dos resíduos sólidos (incluindo o deslocamento até o destino final) foi em torno de R$ 750 mil.
“O serviço inclui limpeza urbana e gerenciamento dos resíduos sólidos. O que estamos procurando fazer são alguns ajustes. Vamos melhorar o gerenciamento dos resíduos sólidos como um todo para reduzir os custos e preserva o meio ambiente”, disse em entrevista ao G1.
Ainda segundo ele, atualmente 40% do que é arrecadado com a taxa de proteção ambiental, paga pelos visitantes por dia de permanência na ilha, é destinado para a limpeza urbana e o gerenciamento dos resíduos.
Expansão da reciclagem
Na ilha, o vidro é triturado e transformado em areia para construção e o lixo orgânico vira adubo depois de passar pela compostagem. As árvores podadas e o bagaço do coco também são triturados e podem ser usados em composteiras e hortas.
Aviso fala da coleta seletiva em Fernando de Noronha: previsão é que tenha início em março de 2019 — Foto: Fábio Tito/G1
Apesar da falta da coletiva seletiva e de uma usina de reciclagem mais completa, Edgar Amaro Júnior, responsável pelas operações da Universo Empreendimentos, empresa que gerencia o lixo em Fernando de Noronha, acredita que a gestão do lixo na ilha está no caminho certo.
“Todo lixo recolhido é trazido para a usina, onde a gente faz a triagem de 100% do material. Hoje, nenhum tipo de resíduo produzido na ilha prejudica ou compromete Noronha. Todo material a gente trata, cuida, faz a separação e dá a destinação final”, explica.
Para o futuro, além da coleta seletiva, a ideia da empresa é implantar uma nova etapa de reciclagem.
“Estamos buscando novas soluções. Compramos dois equipamentos no Rio Grande do Sul e vamos implantar os briquetes”, diz. Os briquetes ou tijolinhos são uma fonte de energia limpa feita a partir de restos de resíduos, como madeira, pó de ferro, alumínio, cobre e até latas de alumínio.
Em Noronha, serão produzidos os briquetes com parte dos restos de árvores e bagaço do coco, que substitui a lenha e o carvão em fornos.
Também já está prevista a instalação de uma máquina de empacotamento de resíduos, que permitirá que o lixo que não pode ser reciclado chegue a Recife já compactado e ensacado.
Latas de alumínio prensadas aguardam para serem levados para o continente na usina de resíduos de Fernando de Noronha — Foto: Fábio Tito/G1
As melhorias são esperadas e cobradas também pelo ICMBio. Segundo Silmara atualmente o tratamento do lixo na ilha está funcionando. “A gente fez um estudo ano passado e está organizado. Tem alguns detalhes que precisam ser melhorados, está faltando a coleta seletiva”, diz.
Para Edgar, o maior desafio é a conscientização de moradores e visitantes, mas Noronha pode dar exemplo para o resto do país.
“Noronha tem muitas particularidades. Você atende um público da classe média bem alta e também o público da ilha, que muitas vezes não tem tantas condições. Mas eu acho que essa conscientização e essa interação que nós conseguimos com administração da ilha, a empresa e a população pode servir de exemplo. Você poderia começar por bairros e ir expandindo para áreas maiores”, analisa.
Resíduos de poda de árvores na usina de tratamento de lixo de Fernando de Noronha — Foto: Fábio Tito/G1
*
Fonte: G1 / Colaborou: G1 PE